18 julho, 2012

Homenagem ao Ir.Paulo (Carmo) Freitas,obl.OSB

Nesse mês de julho, tivemos a notícia inesperada da páscoa de nosso oblato Irmão Paulo, Carmo Antônio de Freitas, no dia 2, segunda-feira.
Na véspera, havíamos iniciado o nosso retiro anual e recebemos a notícia pela manhã, em mensagem deixada na secretária eletrônica.
Nossa Mestra dos Oblatos, Irmã Maria Letícia e eu fomos ao velório, uma vez que estávamos impossibilitadas de ficarmos para o enterro.
Foi um momento marcante podermos abraçar nossa oblata Irmã Escolástica, Fátima Sena Freitas, sua esposa, e seus filhos, sua mãe e seus familiares! Pairava no ar uma paz e uma serenidade intensas e tudo refletia as virtudes desse nosso tão querido irmão: um grande fervor, uma fé visível e forte, a beleza com que tudo era vivido; a sobrenaturalidade com que era realizado esse momento de oração e de saudade.
Pode-se até dizer que havia no fundo uma alegria verdadeira, de poder oferecer a Deus aquela vida tão fecunda, tão intensamente vivida pela causa do Evangelho, tão evangelizadora e comunicadora dos valores evangélicos; uma vida tão acolhedora, que não cessou de levar muitos para a Santa Igreja que tanto amava.
Só podemos agradecer ao Pai pela vida e pelos exemplos desse nosso irmão, pelo rastro de luz que deixou para todos aqueles que o conheceram; pela sua bondade e generosidade; pelo seu dinamismo e sua vida de oração e de amor pela Palavra de Deus.
                               Sim, Irmão Paulo, como seu patrono você também pode dizer:

“Combati o bom combate,
terminei a minha carreira,
guardei a fé.
Desde já me está reservada
a coroa da justiça,
que me dará o Senhor, justo Juiz,
naquele Dia.” (2Tm 4,7)

“Sou agradecido para com aquele que me deu força,
Cristo Jesus, nosso Senhor,
que me julgou fiel,
tomando-me para o seu serviço”. (1Tm 1,12)

A Ele a glória pelos séculos dos séculos! Amém!

Que pela intercessão da Nossa Senhora do Carmo (celebrada em 16 de julho, data de seu nascimento) e o exemplo desse nosso irmão, Deus nos ajude, cada dia “a nada absolutamente antepormos a Cristo -  que nos conduza juntos para a vida eterna” (RB 72, 11s).

Madre Martha Lúcia Ribeiro Teixeira,OSB e Comunidade do Mosteiro Nossa Senhora da Paz

25 junho, 2012

MIGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DOS JOVENS: CONSEQUÊNCIAS ATUAIS DAS RUPTURAS FAMILIARES, CULTURAIS E RELIGIOSAS

Trabalho elaborado pela Dra. Olga Sódre.


COLOCAÇÃO DO PROBLEMA


Nossa sociedade vem mudando de forma acelerada, sobretudo em função da globalização e da revolução ocorrida na área da comunicação, o que vem transformando profundamente a inserção sócio-cultural das famílias e a formação da juventude. Vivi minha juventude no início dessas transformações, na década de cinquenta do século passado, tendo delas participado ativamente. Posteriormente, estudei sob diferentes ângulos o desenvolvimento dos jovens, nesse período, observando e analisando não apenas externamente e por algum tempo os seus problemas, mas também vivenciando, pesquisando e procurando intervir em busca de soluções. A grande vantagem de ter voltado minha atenção e engajado minha participação nessa área, observando de perto essa questão e as mudanças nela ocorridas, durante um percurso suficientemente longo, é que cheguei aos setenta anos com a possibilidade de vislumbrar uma linha geral no processo de desenvolvimento humano e social dos jovens, no contexto da relação entre as gerações, durante esse período.

 Motivada pelo impacto do pujante despontar das transformações sociais e humanas em minha juventude, pela minha história familiar relacionada aos imigrantes italianos, no Brasil, e pela minha própria situação de imigrante, na França, passei a dedicar-me com grande empenho, desde os anos sessenta, ao estudo dos problemas dos jovens imigrantes, que já começavam, então, a se manifestar nessa época, em relação com as drogas, a violência e a dificuldade de inserção social. No final dos anos setenta do século XX, aprofundei a questão ao trabalhar para o Setor de Prevenção da Delinqüência do departamento francês de Assistência Social e Saúde (DASS) de Paris, como psicóloga de uma equipe de educadores de rua da periferia parisiense. Desde então, venho pesquisando as conseqüências da globalização, de suas transformações sociais e tecnológicas e das migrações dela decorrentes para o desenvolvimento psicológico de jovens, não só na França, mas também no Brasil.

A CRISE ENTRE AS GERAÇÕES E A SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO EM REDES

Ao retornar ao Brasil, em meados dos anos oitenta, verifiquei que a migração interna, influenciava também a inserção das famílias brasileiras que mudavam de estado ou região para os grandes centros urbanos em pleno desenvolvimento econômico. Trabalhando na Secretaria de Desenvolvimento Social do Rio de Janeiro, num projeto ligado à organização de jovens favelados, conclui que em ambos os casos de migração podiam-se verificar um choque cultural entre as gerações, e que aqui também os problemas dos jovens apareciam ligados à questão das drogas, da violência e da dificuldade de acesso à vida social adulta e à cidadania.

 Acompanhando a influência da globalização e das rápidas mudanças tecnológicas sobre as relações entre as gerações e o desenvolvimento dos jovens, a partir da década de noventa, tive a oportunidade de dialogar com pais e professores, no Rio e no estado de S. Paulo, estudando o papel da internet e a relação desta com o desenvolvimento da mente, o uso da internet pelos jovens, a tentativa dos pais de intervirem neste uso e o problema crescente da inversão de posições entre as gerações, de supervalorização da juventude e depreciação dos idosos, antes respeitados e tratados com elevada consideração pela sabedoria anteriormente atribuída aos mais velhos. Nos últimos anos, os problemas relacionados às drogas, à violência e à dificuldade de inserção social deixaram de ser restritos aos jovens de baixa renda e se disseminaram nas camadas sociais mais ricas. Indo adiante nestas reflexões e percebendo o crescente hiato entre as gerações, passei a levar em conta a atual consolidação da sociedade de comunicação em redes para o desenvolvimento dos jovens e para a transformação de suas relações sociais e familiares.

Parece-me atualmente fundamental procurar entender esse desenvolvimento levando em consideração as mais recentes transformações da tecnologia, das relações sociais e familiares e suas implicações para a formação dos jovens, de modo a tirar proveito das mudanças tecnológicas para o processo de desenvolvimento dos jovens e para uma evolução positiva de todas essas transformações. Em busca de soluções para a inserção social dos jovens, passei, portanto, a por em relevo a importância da criação e ampliação de espaços públicos, tanto no plano das entidades sociais como no plano virtual, de modo a responder ao desafio da formação de grupos e comunidades que, atuando nesses dois planos, pudessem contribuir para o desenvolvimento dos jovens, para sua entrada no mundo adulto e para seu acesso à cidadania. Algumas organizações, como, por exemplo, o Instituto de Desenvolvimento e Sustentabilidade[1], já vêm abrindo caminho nessa direção. Tendo observado, igualmente, que a orientação dos jovens para um novo tipo de humanidade e de relacionamento social vem sendo cultivada em outros grupos políticos de orientação marxista, em grupos espirituais relacionados à ioga ou em grupos religiosos[2], proponho a seguir algumas considerações e discussões a respeito dessas antigas e novas experiências, em minha apresentação no VIII Seminário de Psicologia e Senso Religioso.

Antes, contudo, procurarei aprofundar a questão abordando as linhas fundamentais do desenvolvimento psicológico dos jovens no acesso à vida social adulta, com base em minha trajetória pessoal e profissional, levando em conta, na presente abordagem, a reflexão que venho delineando, desde o final dos anos setenta, sobre os dilemas do conflito entre as gerações e suas implicações para o desenvolvimento dos jovens, assim como as conseqüências da migração para as rupturas familiares, culturais e religiosas, no contexto da globalização, da expansão do espaço virtual e da sociedade de comunicação em redes. É importante salientar a força crescente de uma dimensão transgressora e violenta em estreita relação com a desestruturação do espaço interno das famílias e do espaço público, que se acentuou após os anos sessenta do século passado, quando toma forma a chamada pós-modernidade.  A inversão das posições entre as gerações e a acentuação dos conflitos entre pais e filhos dificultam ainda mais o processo de desenvolvimento dos jovens, exacerbando as resistências dos mais velhos a respeito das mudanças em curso.

Aumentam as inquietações dos pais e as dificuldades em lidar com a mudança constante das situações, gerando uma tendência a focalizar apenas os aspectos negativos e perigosos do uso das novas tecnologias, acusando-as de levar ao fechamento e alienação dos jovens. A vertente idealista e espiritual dos jovens é pouco conhecida, e não está sendo suficientemente valorizada, fora dos meios políticos e religiosos mais engajados. Embora existam distorções, na formação atual dos jovens, que serão a seguir analisadas e levadas em conta, não apenas a emergência do lado negativo e obscuro dos jovens não decorre somente das transformações mais recentes, das novas tecnologias e das novas formas de comunicação por elas impulsionadas, como também é preciso compreender que essas mudanças trouxeram muitas coisas boas e vêm propiciando a formação de um novo tipo de sociedade e de um novo modo de relacionamento ao qual já aderiram os jovens, numa adesão maciça que muito contribuiu para a consolidação da sociedade de comunicação em redes.

Assim sendo, é da maior importância a tomada de consciência dos pais sobre a possibilidade de uma orientação benéfica das novas formas de relacionamento e comunicação para o acesso dos jovens à vida social, para o seu desenvolvimento e para sua experiência de participação na vida dos grupos e comunidades. As novas gerações de pais poderão tirar partido dos progressos das tecnologias da comunicação, utilizando-as para facilitar e consolidar o trabalho de formação dos jovens e seu encaminhamento em direção ao mundo adulto, ao espaço público e à cidadania. Já na década de setenta, ao começar a me dedicar ao estudo e solução dos problemas de jovens imigrantes da periferia de Paris, percebi a importância de uma intervenção conjunta dos familiares e dos profissionais da área social e da saúde pública, numa ação comunitária em prol do desenvolvimento desses jovens[3]. Este tipo de trabalho social possibilitou-me abordar o desenvolvimento dos jovens sob vários ângulos, mostrando a relação dos problemas por eles vividos com o conflito entre as gerações, com a dificuldade de acesso à vida pública e ao mundo adulto, com a dependência e o apego ao modo de funcionamento infantil. Comecei a perceber, desde aquela época, como o trabalho social em rede e as novas formas de diálogo podiam contribuir para a superação da situação de dependência dos jovens, abrindo novas possibilidades de enfrentamento conjunto dos problemas por eles vividos.

Ficou claro através desse trabalho social que a violência e até mesmo a delinqüência dos jovens se desenvolvia num contexto onde a crise da família e dos valores se associava às dificuldades vividas pelos jovens, na saída do espaço familiar para o espaço público. Compreendi, então, que a migração havia abalado os alicerces da cultura e da religião dos imigrantes, que sustentava a estrutura familiar deles, a passagem para o espaço público e a construção dos ideais e valores dos jovens imigrantes.  A cultura e a religião dos imigrantes constituíam as bases a partir das quais se erguia e se consolidava a construção dos ideais e valores que norteavam o desenvolvimento dos jovens, seu acesso ao mundo adulto e à vida pública. A migração e as aceleradas transformações sociais provocadas pela globalização haviam desencadeado uma ruptura dessas raízes culturais e religiosas, deixando os jovens imigrantes à margem da cultura dominante dos países aonde as famílias vieram se instalar. Eles passaram a viver elementos de diferentes culturas, sem estarem inseridos nem no mundo de onde vieram nem no novo mundo para o qual suas famílias os trouxeram.  

Essa marginalização dos jovens imigrantes tem graves conseqüências para a elaboração de suas identidades, de seus valores e ideais, dificultando a superação dos conflitos próprios da passagem para o mundo adulto. Nesse contexto, os impulsos destrutivos emergem vitoriosos, e fracassa o longo processo de formação de um novo ser humano, de construção de uma pessoa adulta e de um novo cidadão.  Nesse terreno, viceja a tendência à transgressão das leis, as mais variadas formas de violência e de desrespeito à vida, a presença da morte e a busca sem limite do prazer, que se mistura com a dor e a devastação da personalidade.

Em janeiro de 2010, assisti pela televisão uma filmagem sobre bailes de jovens, na periferia de S. Paulo, onde também transparecia esse transbordamento dos limites. A convocação para os bailes era feita através da rede da internet. Refletindo sobre esta situação à luz da experiência de uso terapêutico das comunidades virtuais, cheguei à conclusão que estas poderiam também contribuir para o encaminhamento dos problemas dos jovens através da formação de redes de relacionamento e da criação de novas formas de utilização do espaço público da internet pelas pessoas envolvidas na formação dos jovens. Minha experiência francesa já havia demonstrado que as relações sociais em rede podem ajudar no enfrentamento conjunto dos problemas dos jovens imigrantes. Defendo, portanto, a idéia que as redes virtuais podem ser de grande auxílio para o estabelecimento de sólidos laços de solidariedade entre pessoas partilhando os mesmos problemas. A sociedade em redes virtuais tendo se tornado um universo cultural propício aos jovens, ela pode também vir a ser cada vez mais um recurso favorável para o seu desenvolvimento.

Na verdade, a organização das relações em rede pode servir tanto para apoiar e facilitar o desenvolvimento psicossocial do jovem como para desencaminhá-lo. No primeiro caso, as redes virtuais precisam, entretanto, estarem ancoradas em redes sociais formadas pelas famílias e por profissionais capazes de contribuir para a formação dos jovens, ajudando-os a equacionarem seus problemas e dando suporte a novas formas de relacionamento que facilitem seu acesso à vida adulta e à cidadania. A passagem para a vida adulta é um momento crucial na vida de todo ser humano e requer a colaboração da família e da sociedade.

Essa colaboração da família e da sociedade com o jovem orientando-o na passagem para a vida adulta foi afetada negativamente pelo atual esfacelamento e fechamento social e familiar dos jovens. Desse modo, eles se encontram isolados e separados dos adultos, num momento em que precisariam do pulso forte e amigo dos pais para a realização bem sucedida dessa passagem.  Muitos familiares em crise permanecem temerosos ou fascinados diante dos transgressores, tendo dificuldade em assumir a posição de uma autoridade capaz de encaminhar a solução dos conflitos entre as gerações. Meu estudo histórico da passagem à vida adulta mostrou-me a relevância da associação entre os pais, nas sociedades antigas e tradicionais, para melhor enfrentarem socialmente o natural conflito entre as gerações.

PASSAGEM DO ESPAÇO FAMILIAR AO ESPAÇO PÚBLICO E À CIDADANIA

A associação entre os pais é que conduzia e orientava os antigos rituais de passagem para a vida adulta. Restam poucos resquícios desses rituais, mas a formação de redes entre os adultos responsáveis pelo ingresso desses jovens na vida social pode permitir utilizar os recursos da internet para a comunicação e solidificação da autoridade familiar e dos laços familiares e sociais dos jovens. Este reforço da autoridade familiar não deve, contudo, ser confundido com a defesa da postura autoritária de alguns pais, podendo ocorrer pelo estabelecimento do diálogo entre os pais, os trabalhadores sociais e os filhos.  Não se trata, nesse caso, de um diálogo entre iguais, nem ele pode ser reduzido a uma simples conversa entre amigos, na qual se anula a diferença de posições[4].

É preciso deixar claro que os jovens sozinhos não têm como enfrentar a força dos próprios impulsos, de entendê-los e encaminha-los positivamente, fora do processo social que sustenta essa passagem da infância para o mundo adulto e do espaço familiar para o espaço público. A construção de um novo ser humano se realiza socialmente. Os jovens precisam de modelos, de orientação e da colaboração dos pais e educadores, que os apóiem no enfrentamento das forças psíquicas que emergem nessa etapa do desenvolvimento. A delimitação e a reorientação do impulso humano é uma das principais tarefas da formação dos jovens, e pode ser conseguida pela abertura e aprofundamento do diálogo, com base na fortificação dos laços de solidariedade familiar e comunitária. Tal trabalho social com jovens pode também ser favorecido por uma nova mentalidade pública a este respeito, e os meios de comunicação têm aqui um papel a desempenhar na informação e formação do público.

Quando iniciei um trabalho com jovens, ao voltar ao Brasil, no início dos anos oitenta, contavam-se nos dedos o número de jovens de favelas cariocas envolvidos com o tráfico de drogas. Muitas vezes, fui às escolas e associações de bairro procurando um apoio mais amplo das famílias da classe média para esse trabalho, mas esses pais se mostraram fechados e preocupados apenas com a educação dos próprios filhos. Uma maior consciência da importância da abordagem conjunta do problema do acesso dos jovens à vida adulta e ao espaço público poderia ser veiculada pelos diferentes meios de comunicação social. Estes podem se integrar à rede de pessoas envolvidas nesse trabalho com os jovens, ampliando e facilitando a formação à cidadania[5]. Para isto, é, contudo, fundamental, melhor entender o processo psicossocial de desenvolvimento dos jovens e sua relação com a passagem do espaço mais fechado da família para o espaço público e a cidadania.

As notícias sobre as revoltas de jovens, em diferentes países, e o clamor destes pelo reconhecimento e pela integração ao espaço público chamaram minha atenção para estas questões. A escuta do que dizem esses jovens marginalizados mostra que estes não almejam apenas o acesso aos bens materiais e ao trabalho. Eles manifestam o sentimento de não serem integrados ao espaço público, reivindicando um reconhecimento social que muitas vezes só conseguem nas organizações marginais. A antiga filosofia grega aprofunda a reflexão sobre a relação entre a condição humana, a vida adulta e a comunidade dos cidadãos. Foi a partir dessa reflexão, que compreendi a importância de uma formação dos jovens baseada na ordenação dos impulsos, na inserção na vida pública e na valorização da cidadania.

Esta formação é claramente formulada e considerada como fundamental para a passagem à vida adulta, na Grécia Antiga. Platão[6] e outros filósofos gregos ligam a realização do ser à relação com o outro, nos quadros da vida comunitária dos cidadãos das cidades gregas, salientando a estreita relação entre a educação dos jovens, a ordenação dos desejos e a realização mais harmoniosa entre os cidadãos. Relendo o mito dos Titãs, pode-se acompanhar a narração simbólica do desenvolvimento dos impulsos humanos e melhor compreender a ligação que a filosofia grega estabeleceu entre o domínio das paixões e a passagem dos jovens à vida pública. A psicologia moderna ajuda ainda mais a entender este processo. No mundo infantil, os impulsos não estão ainda delimitados e ordenados segundo os lugares e relações do mundo adulto. O processo de maturação, de delimitação e de ordenação dos impulsos é longo e culmina com uma integração entre o desenvolvimento afetivo e intelectual, na entrada da criança na etapa da juventude, quando o desenvolvimento do pensamento abstrato permite que os impulsos passem a ser orientados pelos ideais.

Nesse processo de desenvolvimento, os jovens têm que superar os conflitos entre pais e filhos, desligar-se dos pais, sair da família de origem para formar uma nova família, aceder à posição dos pais e entrar no espaço público ou na vida em comunidade, tornando-se novos cidadãos. O mito grego dos Titãs descreve o processo de mudança dos conflitos destrutivos entre pais e filhos em conflitos regidos pelo acordo estabelecido entre os deuses do Olímpio. Estes representam os ideais que norteiam a vida dos membros da comunidade dos cidadãos, enquanto os Titãs representam os impulsos agressivos e sem limites, a tendência à transgressão e à revolta. Como mostra essa narração grega, os filósofos que refletiram sobre o assunto e minhas pesquisas com os jovens imigrantes, a passagem para o mundo adulto exige que os impulsos passem a ser orientados pelos ideais, de modo a servir ao bem comum e à vida em comum entre os cidadãos[7].

Os atuais noticiários dos jornais e da internet andam cheios de histórias de jovens identificados como “bandidos playboys”. Um caso recente, que virou manchete, em abril de 2012, por exemplo, é o de um jovem de 19 anos, Bruno Rodrigues, que ganhou o apelido de “playboy do crime” por ter a aparência e a vida de um playboy à custa de vários tipos de crimes. Ele foi pintado como alguém que gosta de roupas caras, de motos potentes, da vida noturna, e que roubava e matava para poder se divertir com amigos e mulheres. Tendo aderido, nessa etapa da juventude, à atual sociedade de consumo, ele seguia, portanto, o padrão dos jovens das classes mais ricas, cometendo crimes para manter essa identidade. Como ele, muitos jovens de baixa renda vão trabalhar para o tráfico de drogas para poder ter um acesso mais fácil ao universo do consumo, enquanto outros jovens marginais podem até matar por um tênis de marca ou um celular.

Pesquisando sistematicamente essas notícias e as informações na internet, pude acompanhar a transformação na construção dos valores e ideais desses jovens, verificando que o ideal deles se afastou dos antigos ideais humanos cultivados desde a antiguidade. Compreendi que as aspirações materiais haviam tomado o lugar dos antigos ideais de construção de um novo ser humano. Os ideais materiais perseguidos com fervor pelos jovens de nossa época correspondem, na verdade, aos ideais da sociedade de consumo voltada para a aquisição de bens materiais. Com base no desejo de conquista desses bens é que os jovens agora constroem sua identidade e buscam se inserir socialmente. Ouvi vários relatos de pais e mães que são trabalhadores honestos e esforçados na educação dos filhos, e ficam desesperados quando percebem que esses estão trocando o ganho do trabalho pelo ganho aparentemente mais fácil do crime e do tráfico.

Eles se sentem impotentes diante da pressão social nessa direção, e temem que essa forma de vida venha, mais cedo ou mais tarde, a conduzir seus filhos a um destino de morte e destruição. Para nossa reflexão, é importante observar, com base no estudo histórico, que mesmo nas sociedades ditas pagãs, a formação dos jovens sempre foi baseada não apenas em ideais puramente materiais, mas em valores do espírito que moldavam o caráter dos jovens. Embora nem sempre associados a um caminho espiritual, os ideais da juventude tinham, portanto, um cunho humanista e uma proposta de elevação do ser humano voltada para o bem. Assim aconteceu também nas sociedades socialistas e comunistas que adotaram uma ideologia materialista, porém cultivaram os ideais de um novo tipo de ser humano e uma nova proposta de vida comunitária. A sociedade capitalista globalizada proporcionou à humanidade grandes avanços em várias áreas, e pode-se dizer que as atuais relações sociais são em muitos aspectos mais humanas do que as que predominavam na época da escravidão, da servidão feudal ou do início do capitalismo. Ela destruiu, contudo, as bases do longo processo civilizatório anterior, colocando como bem supremo a aquisição de bens de consumo material.

Não é nosso objetivo, nessa apresentação, defender ou criticar o regime capitalista, mas partilhar o resultado de uma análise histórica pela qual se verifica que, em nenhuma sociedade anterior, os bens materiais foram tão exaltados e apresentados como fontes de realização humana, de reconhecimento social e de felicidade. A filosofia deu uma enorme contribuição ao demonstrar que o ter não poderia, de modo algum, levar à realização do ser nem possibilitar o desenvolvimento psíquico e espiritual, que nele deveria estar enraizado. Em nenhum outro momento histórico anterior ao nosso, a corrida para a obtenção e troca dos bens materiais foi tão amplamente valorizada, não sendo, portanto, de admirar que os desejos atuais dos jovens tenham também sido voltados para sua aquisição a qualquer preço. Essa desumanização dos jovens foi também acompanhada pela multiplicação da violência e do desrespeito entre eles, não só em suas relações de grupo como também na relação entre as gerações. Pude presenciar, desde minha infância e no trabalho clínico, relações agressivas entre crianças e jovens, tendo vivido e observado experiências de ameaça, escárnio e injúria, que podem ser consideradas precursoras do atual bullying.

A violência e o sadismo entre os jovens não tinham, contudo, a abrangência social que têm hoje, nem os professores e pais eram agredidos fisicamente ou mortos como acontece cada vez com mais freqüência. É evidente que o desejo de bens materiais ou de poder sobre o outro, a violência e o conflito de gerações sempre existiram ao longo da história humana. Contudo, a educação dos jovens, a filosofia e as diferentes religiões sempre cultivaram e valorizaram a transmissão dos ideais do espírito. As propostas espirituais ou materialistas de cultivo de ideais do espírito para a formação da juventude não desapareceram do cenário das sociedades de consumo, mas não representam mais a tendência dominante.

Em contraponto a diferentes tendências atuais, que acenam aos jovens com uma miragem de liberação da autoridade e das convenções, conduzindo-os por caminhos que os levam à escravidão dos impulsos e à evasão da realidade social, pude acompanhar de perto alguns exemplos de experiências de formação de jovens com base nos ideais do espírito, como os anteriormente já citados, em organizações políticas movidas pelo desejo de transformação do mundo, nos grupos de ioga ou em grupos católicos e evangélicos. Nesses grupos religiosos, espiritualistas ou politicamente engajados pude constatar a existência de um esforço no sentido da orientação dos jovens para ideais humanos e espirituais mais elevados, assim como propostas apoiando-os direta ou indiretamente no acesso à vida em comunidade e à posição adulta.

CONCLUSÃO

Cheguei, portanto, à conclusão que o problema da revolta atual dos jovens e a vitória sobre os impulsos agressivos e a violência podem ser enfrentados coletivamente pela participação em grupos que possibilitem a orientação dos jovens com base numa elaboração de ideais mais elevados, que podem ter um enfoque espiritualista, religioso ou materialista – conforme a convicção de cada um. A formação de redes sociais e as associações comunitárias podem também dar sua contribuição nessa direção.

De qualquer modo, mais do que nunca essa batalha requer um esforço social conjunto, tendo em vista uma superação dos conflitos entre pais e filhos que permita a sucessão das gerações e a vida em comunidade. Qualquer que seja a forma de organização adotada para a formação dos jovens ou o caminho escolhido para a realização desses objetivos é fundamental que essa formação seja norteada para a realização do ser e não apenas pelo ter ou pela posse de bens materiais e sim para o bem comum e para o acesso à cidadania, de modo a superar o atual esfacelamento dos laços familiares e sociais, rompendo com as tendências ao individualismo, ao fechamento no núcleo familiar e à negação do outro por razões sociais, culturais ou religiosas. Tendo em vista a tendência atual à mundialização e a convivência entre diferentes povos, culturas e religiões, torna-se imprescindível, na presente etapa da história da humanidade, o respeito aos imigrantes, às diferentes culturas, religiões e modos de ser. Não é possível reverter a ruptura das bases tradicionais de elaboração dos valores e identidades, mas podemos levar em conta a contribuição dos antigos modelos históricos e a diversidade cultural e religiosa do nosso mundo, integrando-os às novas condições da sociedade em redes, às novas formas de comunicação e de associação comunitária de pais e responsáveis pela formação dos jovens.

Em síntese, posso dizer que considero a juventude como uma etapa de passagem da infância para a vida adulta, implicando um conjunto de transformações fundamentais na construção de um novo ser social.  Nesse momento do desenvolvimento humano, observa-se uma profunda crise dos jovens que se manifesta na instabilidade corporal e afetiva, nos problemas de construção da identidade e de agressividade e na formação do pensamento abstrato. Essa passagem exige uma série de complexas mudanças de posições. Não ocorre apenas uma mudança da posição de criança para a posição de adulto, mas também uma mudança das posições nas relações familiares e entre as gerações, mudanças de posições nas relações com as outras pessoas fora da família (nas relações sexuais, de estudo e trabalho), mudanças de posições no espaço público (poder dirigir, votar, etc.). Meu enfoque dessa passagem para o mundo adulto leva em consideração essas transformações e mudanças de posições, de relações e de deslocamentos entre diferentes tipos de espaço, sobretudo a passagem do espaço familiar para o espaço público. Cabe aos pais e educadores a tarefa de ajudarem os jovens a ampliarem suas relações, estabelecerem novos contatos e entrarem em novos grupos e espaços.

Para que os pais e adultos exercerem esse papel, é preciso, entretanto, superar os conflitos familiares e as lutas de domínio e controle do outro dentro das famílias. Em meu trabalho clínico e social, passei a estar atenta ao percurso do desenrolar desta luta, no interior das famílias, dando especial atenção ao processo de ordenação dos impulsos, que está diretamente relacionado à resolução do conflito familiar. Situando o conjunto destes fatores no quadro geral do conflito entre as gerações e de mudança de posições é que pude melhor entender passagem para a vida adulta. O núcleo central desta passagem resulta da mudança da posição filial para a posição de adultos como os pais. Ela não ocorre pela tentativa de tomar o lugar deles, mas, ao contrário, pelo reconhecimento e respeito desse lugar e por um processo de identificação com os pais, de separação da família e ingresso dos jovens, no espaço público, para se tornarem novos membros da comunidade social.

A saída do universo infantil, de suas relações e de seus valores se realiza pela mudança de lugares na sucessão das gerações e pelo acesso dos filhos ao grupo dos adultos. A necessidade de abandonar os antigos laços afetivos, de deixar o estado de dependência e proteção dos pais e ocupar uma posição igual a deles, no universo adulto, gera uma natural situação de conflito. Este pode tomar a forma de uma revolta mais ou menos acentuada contra a autoridade dos pais e contra os símbolos que os revestem, de modo a construir a própria identidade e se emancipar dos laços familiares. Após esta passagem à vida adulta e a entrada dos jovens no espaço público dos cidadãos, as revoltas e as lutas destrutivas são substituídas por novas formas de encaminhar os conflitos Estes não desaparecem, mas passam a ser orquestrados por princípios, valores e ideais da vida em comunidade, que eram, na Grécia Antiga, simbolizados pelos diferentes deuses do Olimpio.

O processo aqui descrito é vivido de diferentes formas por cada jovem, no desenrolar do seu desenvolvimento, de sua história pessoal e familiar, de seu grupo e de sua cultura Ao deixar a infância, cada ser humano experimenta dentro de si o ímpeto dos impulsos titânicos, vive a revolta contra os pais, enfrentando o desafio de ingressar na ordem social. Seguindo ideais mais elevados, podem, então, os jovens aceitarem e transformarem as leis do mundo adulto, vindo a ocupar um lugar dentro dele. No mundo contemporâneo, esta passagem foi sendo diluída e prolongada por profundas transformações sociais e familiares, que abalaram a autoridade dos pais e enfraqueceram os laços familiares, levando a uma crise nos modos de elaboração desta passagem para a vida adulta.

Quando esta passagem não é bem sucedida, o jovem continua regido pelos princípios autoritários e indiferenciados dos titãs[8], perde o acesso ao universo dos ideais olímpicos, e não finaliza o processo de identificação que lhe permite tornar-se um adulto e assumir o lugar que lhe cabe na sucessão das gerações e na vida comunitária.  A globalização capitalista, suas aceleradas mudanças tecnológicas e sociais, as grandes migrações que provocaram e o modo de funcionamento de sua sociedade de consumo de massa abalaram as bases culturais e religiosas que sustentavam esse delicado processo civilizatório de criação de um novo ser social, na passagem da infância para a vida adulta. Nada impede, entretanto, que novas bases possam ser paulatinamente elaboradas levando em consideração as experiências acumuladas ao longo da história e renovando-as para a construção de um mundo novo.

É importante, portanto, continuar acompanhando estas transformações, permanecendo atento às manifestações dos modos titânicos e violentos de resolver os conflitos, em particular entre pais e filhos. A importância crescente da cultura de diálogo aumenta as possibilidades do encaminhamento e superação dos conflitos, e as novas tecnologias da sociedade em redes podem nos ajudar a acompanhar e transformar este processo pela criação de uma nova forma de espaço público que facilite a abertura e ampliação da comunicação, a formação de novos laços e a participação em diversos tipos de comunidades virtuais. É possível utilizar estes novos recursos para ajudar os jovens na mudança de espaços acima indicada, sobretudo na passagem do espaço familiar fechado para o imenso espaço público virtual surgido com a internet. É preciso repensar o papel da associação dos pais, neste novo contexto, passando a utilizar também estes novos recursos para a formação de comunidades virtuais de pais voltadas para o desenvolvimento dos jovens. A sociedade em redes abre, portanto, novas e interessantes perspectivas para a abordagem do desenvolvimento dos jovens!

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

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SODRÉ, O. O Conflito de Gerações e o Acesso dos Jovens à Cidadania: Uma abordagem da passagem para a vida adulta pelo mito. Tese (Pós-Doutorado). UERJ: Instituto de Medicina Social, 2007.

SODRÉ, O. “Símbolo, mito e interpretação da passagem para a vida adulta”. In Arquivos Brasileiros de Psicologia. Rio de Janeiro: UFRJ, n. 109, 2007.

SODRÉ, O. “Linguagem, símbolo e mito na sociedade pós-secular: a fenomenologia hermenêutica e a experiência inter-religiosa”. In ARCURI, I. G. & ANCONA-LOPEZ  M. (Orgs.). Temas em Psicologia da Religião. São Paulo: Vetor Editora, 2007, pp. 245-.280.

VERNANT, J. L’ Univers, les dieux, les hommes - Récits grecs des origines, Paris, Seuil,1999.

VERNANT, J. Entre Mito & Política, S.Paulo, Edusp, 2002.



[1] Em outubro de 2011, o Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) promoveu em São Paulo o encontro “Política 2.0: Uma nova forma de fazer política?” para discutir como os novos canais de organização e de expressão, impulsionados pelo potencial que a internet oferece de troca de informações e ideias, representam uma nova forma de fazer política. No evento, foram divulgados os resultados de uma pesquisa qualitativa “Investigações sobre uma política cidadã – reflexões e caminhos”, que foi encomendada pelo IDS à empresa Ideafix, realizado com 100 jovens entre 18 e 25 anos, na qual fica claro o interesse maior dos jovens por ideais como o da respeitabilidade. Os trabalhos desse instituto revelam uma nova forma de política pela qual, em vez de uma participação latente que emerge somente em época de eleições, os jovens se engajam em causas sociais, ambientais e culturais.
[2] Minha observação tem acompanhado mais o trabalho da Igreja Católica, nas paróquias que freqüento ou nos encontros do Papa com a juventude, porém tenho informações na mesma direção em grupos evangélicos, como os grupos corais formados por meu professor de canto, em Itu.
[3] Nesta época, tratava-se ainda de uma rede social constituída por diferentes equipes do Departamento de Ação Social e Saúde (DASS), que eram distribuídas por diferentes setores urbanos e atuavam em conjunto numa mesma área da cidade. Esta forma de organização em setor surgiu, na França através da influência de psiquiatras marxistas (Tosquelles, Daumezon e Bonnafé) com base na organização de uma rede (réseau) da Resistência francesa, durante a Segunda Grande Guerra. Esta forma de organização setorial tendo como base uma rede social foi adotada oficialmente pelo governo francês, na década de setenta, e perdura até hoje.
[4] Trata-se de um diálogo entre pessoas ocupando diferentes posições e funções dentro da estrutura familiar, e tendo responsabilidades diversas no enfrentamento conjunto dos impulsos agressivos e das tendências destrutivas que emergem na adolescência.
[5] É evidente que os meios de comunicação podem tanto contribuir para a formação e desenvolvimento dos jovens como agir no sentido contrário, mas aqui tento mostrar a possibilidade de utilização dos novos recursos da comunicação para o desenvolvimento. 
[6] Platão preocupa-se com uma educação política que transmita, desde a infância até a vida adulta, as opiniões verdadeiras sobre o belo, o bem e o justo, ensinando os jovens a amarem a virtude e a moderação. Propõe que os cidadãos sejam educados a ultrapassarem a multiplicidade anárquica de seus desejos e a ordenarem suas relações de modo a favorecer a felicidade dos cidadãos e a consolidação de seus laços de amizade. No processo de unificação do ser, considera Eros como fundamental, propondo apenas a limitação e ordenação dos desejos e não a sua supressão ou negação.
[7] Alguns filmes mais recentes (como, por exemplo, o “Avatar”) dão uma contribuição semelhante para a elaboração dos valores, ideais e identidades da juventude, delineando novas formas de relação, novos valores e ideais de vida, construindo imagens que contribuem para a construção da identidade e para a formulação de novos modos de relação e de vida social.
[8] O modo de funcionamento do universo titânico pode ser observado com mais clareza nos bandos de jovens regidos pelo modo de funcionamento dos impulsos primitivos, e com a generalização destas dificuldades encontram-se cada vez mais adultos que são eternos adolescentes, num mundo cada vez mais sem limites.

25 julho, 2011

HOMILIA MADRE MARTHA LÚCIA, OSB NO NOVICIADO DOS OBLATOS

Caríssimos irmãos e irmãs

                               Com alegria nos reunimos, hoje, aqui em nossa igreja, na véspera da solenidade de N.P.São Bento, para acolher esses nossos dois irmãos, Gustavo e Ana Paula para iniciarem seu noviciado de oblatos.
                               O oblato é um cristão desejoso de viver com convicção e profundidade o Evangelho e que descobriu na Regra de São Bento um caminho de luz que lhe facilita seguir o Cristo e o estimula a servir a Deus e aos irmãos com um amor mais puro e generoso, em seu próprio estado de vida.
                               A oblação pressupõe, pois, um cristão convicto e conseqüente, que sabe muito bem que encontrará melhor modo de ser fiel a Cristo e ao Evangelho no lugar e na situação concreta em que Deus o colocou. Não é necessário que fuja às realidades da vida para ser um bom cristão. Pelo contrário, é preciso assumi-las plenamente, infundindo-lhes, porém, um novo espírito, olhando-as com uma nova visão, orientando-as para um fim superior. É a novidade que vem do Evangelho.
                               E isto é fácil e ao mesmo tempo difícil.
                               É fácil, porque esta nova visão nasce espontaneamente do dom da fé que nos foi comunicado pelo batismo. Contudo, torna-se difícil, porque a fé exige uma educação e um treinamento que estimulam o exercício desta visão e ensinam o mover-se de acordo com ela.
                               São Bento no Prólogo da Regra dirige-se a “quem quer que sejas, que renunciando às tuas próprias vontades, empunhas as gloriosas e poderosíssimas armas da obediência, para militar sob o verdadeiro Rei, Cristo Senhor”. Numa linguagem mais moderna, poderíamos dizer que ele se dirige a todos os cristãos que, deixando de mover-se por razões e reações puramente naturais, querem ser guiados pela luz da fé, para seguir o Cristo. Por isso São Bento se propõe constituir “uma escola do serviço do Senhor”, onde possam aprender a “progredir na fé e na observância das boas obras, guiados pelo Evangelho”, a fim de trilhar o mesmo “caminho d’Aquele que nos chamou para o seu Reino”(Prólogo).
                               A Regra, onde São Bento explica todas estas coisas não é outro Evangelho. É simplesmente um ensinamento teórico e prático, que pode facilitar uma compreensão mais profunda do Evangelho de Jesus Cristo e um cumprimento mais fiel de suas exigências.
                               O oblato beneditino descobriu que os ensinamentos de São Bento se adaptam bem à sua maneira de ser, à sua formação, ao seu modo de formular o ideal evangélico. Por isso, toma como “mestra de vida” a Regra de São Bento.
                               Podemos pegar três elementos que caracterizam muito bem a vida beneditina: “Ora et labora “ e “Pax”.
                               “Ora” implica amor ao silêncio e à oração, seja comunitária, seja individual.
                               “Labora” significa o trabalho executado como ascese e autodomínio por amor não ao trabalho como tal, mas por amor a Deus.
                               “Pax” quer dizer harmonia das pessoas entre si na comunidade ou na família e, mais ainda, harmonia dos sentimentos, o reto dimensionamento dos valores, donde resulta uma certa beleza de vida. – “Paz”, diz Santo Tomás, é “a tranqüilidade da ordem” – o que não pode deixar de ser bom e belo.
                               Que vocês por sua conduta de vida, possam ser instrumentos de paz para todos ao seu redor, testemunhando através do trabalho, o desejo de uma vida unida a Deus, uma vida que tem Deus por primazia, aprofundando cada dia os valores evangélicos.
                               Ouvimos nas leituras o convite de São Bento a escutarmos, que é essa atenção amorosa a tudo que vem de Deus. Escutar é algo mais que ouvir; é procurar assimilar e aprofundar o que nos vem ao encontro. É assimilar a Palavra de Deus para ser traduzida numa vivência sempre mais fiel ao Evangelho, realizando uma caminhada ao encontro do Senhor.
                               Esse Senhor que se apresenta como Pastor, como Bom Pastor, que nos conhece, que nos chama, que nos carrega. Sejamos ovelhas dóceis, que reconhecem a Voz do seu Senhor.
                       Para terminar, gostaria de ilustrar o que acabei de dizer com uma imagem            muito bela e profunda usando a lição do bambu:

Um jovem perguntou ao ancião como podia uma figueira que é uma árvore frondosa e imensa cair com o vento e com a chuva e o bambu tão fraco continuar de pé. O ancião respondeu-lhe:
O bambu permanece em pé porque teve a humildade de se curvar na hora da tempestade. A figueira quis enfrentar o vento. O bambu nos ensina, assim, 7 coisas:
Se você tiver a grandeza e a humildade dele vai experimentar o triunfo da paz em seu coração.
A primeira verdade que o bambu nos ensina, e a mais importante, é a humildade diante dos problemas, das dificuldades. Eu não me curvo diante do problema e da dificuldade, mas diante daquele, o único, o principio da paz, aquele que me chama, que é o Senhor;
A segunda verdade: o bambu cria raízes profundas. É muito difícil arrancar um bambu, pois o que ele tem para cima ele tem para baixo também. Você precisa aprofundar a cada dia suas raízes em Deus na oração.
A terceira verdade: você já viu um pé de bambu sozinho? Apenas quando é novo, mas antes de crescer ele permite que nasçam outros a seu lado (como no cooperativismo).Sabe que vai precisar deles. Eles estão sempre grudados uns nos outros, tanto que de longe parecem com uma árvore. Às vezes tentamos arrancar um bambu lá de dentro, cortamos e não conseguimos.
A quarta verdade que o bambu nos ensina é não criar galhos. Como tem a meta no alto e vive em moita, comunidade, o bambu não se permite criar galhos. Nós perdemos muito tempo na vida tentando proteger nossos galhos, coisas insignificantes que damos um valor inestimável. Para ganhar é preciso perder tudo aquilo que nos impede de subirmos suavemente.
A quinta verdade é que o bambu é cheio de “nós” (e não de eu’s). Como ele é oco, sabe que se crescesse sem nós seria muito fraco. Os nós são os problemas e as dificuldades que superamos. Os nós são as pessoas que nos ajudam, aqueles que estão próximos e acabam sendo força nos momentos difíceis.
A sexta verdade é que o bambu é oco, vazio de si mesmo. Enquanto não nos esvaziarmos de tudo aquilo que nos preenche, que rouba nosso tempo, que tira nossa paz, não seremos felizes. Ser oco significa estar pronto para ser cheio do Espírito Santo.
Por fim, a sétima lição que o bambu nos dá é que ele só cresce para o alto. Ele busca as coisas do Alto. Essa é a sua meta.

                               Que o início dessa nova caminhada que vocês hoje começam faça de vocês criaturas novas, repletos da fé  de São José, da docilidade de Maria e do desejo de só agradar ao Senhor e tudo fazer para Sua maior glória. Amém!

Gustavo  - Ir. José (onomástico dia 19 de março)
Ana Paula – Ir. Maria (onomástico dia 8 de dezembro)

25 maio, 2011

O VALOR PEDAGÓGICO DA CONFISSÃO, PALESTRA PROFERIDA PELO PAPA BENTO XVI

No nosso tempo caracterizado pelo barulho, pela distração e pela solidão, o diálogo do Penitente com o confessor pode representar uma das poucas, se não a única ocasião para ser escutado verdadeiramente, e em profundidade.
“Desejo meditar convosco sobre um aspecto às vezes não suficientemente considerado, mas de grande relevância espiritual e pastoral: o valor pedagógico da confissão sacramental. Se é verdade que é sempre necessário salvaguardar a objetividade dos efeitos dos Sacramentos e a sua correta celebração, segundo as normas do Rito da Penitência, não é inoportuno ponderar sobre quanto ele pode educar a fé, tanto do ministro quanto do penitente. A disponibilidade fiel e generosa dos sacerdotes à escuta das confissões, segundo o exemplo dos grandes santos da história, de São João Maria Vianney a São João Bosco, de São Jose Maria Esquivá a São Pio de Pietrelcina, de São José Cafasso a São  Leopoldo Mandié, indica-nos todos como o confessionário pode ser um lugar de santificação.
Contemplar a Obra de Deus misericordioso na história
De que modo o Sacramento da Penitência educa? Em que sentido a sua celebração tem um valor pedagógico, em primeiro lugar para os ministros? Poderíamos começar a partir do reconhecimento de que a missão sacerdotal constitui um ponto de observação singular e privilegiado do qual, cotidianamente, nos é concedido contemplar o esplendor da Misericórdia divina.   Quantas vezes, na celebração do Sacramento da Penitência, o presbítero assiste a verdadeiros milagres da conversão, que renovando o “encontro com um acontecimento, com uma Pessoa” (Deus caritas est, n.1), fortalecem a sua própria fé.   No fundo, confessar  significa  assistir a tantas “professiones fidei” quantos são os penitentes, e contemplar a obra de Deus misericordioso  na história, ver concretamente os efeitos salvíficos da Cruz e da Ressurreição de  Cristo, em todos os tempos e para cada homem.   Não raro, somos postos diante de verdadeiros dramas existenciais, que não encontram uma resposta nas palavras dos homens, mas são abraçados e assumidos pelo Amor Divino, que perdoa e transforma. “Mesmo que os nossos pecados fossem vermelhos como a púrpura, ficariam brancos como a neve”! (Isaias,1,18).    Conhecer, e de certo modo, visitar o abismo  do  coração humano, até nos aspectos mais obscuros, se por um lado se põe à prova a  humanidade e a fé do próprio sacerdote, por outro, alimenta nele,  a certeza de que  a última palavra sobre o mal do homem e da História é de Deus, é da sua Misericórdia, capaz de renovar todas as coisas (cf.Ap.21,5).
Profundas lições de humildade e de fé
Depois, quanto pode aprender o sacerdote de penitentes exemplares pela sua vida espiritual, pela seriedade com que realizam o exame de consciência, pela transparência no reconhecimento do pecado pessoal e pela docilidade ao ensinamento da Igreja e às indicações do confessor! Da admin istração do Sacramento da Penitência podemos receber profundas lições de humildade e de fé. É uma exortação muito forte para cada sacerdote à consciência da própria identidade. Só em virtude da nossa humanidade, poderíamos ouvir as confissões dos irmãos! Se eles nos procuram , é somente porque somos presbíteros, configurados com Cristo Sumo e Eterno Sacerdote, e tornados capazes de agir no seu Nome e na sua Pessoa, tornar realmente presente Deus que perdoa, renova e transforma. A celebração do Sacramento da  pobreza de sua pessoa, e alimenta nele a consciência da identidade sacramental.
                QUAL O VALOR PEDAGÓGICO DO SACRAMENTO DA PENITÊNCIA PARA OS PENITENTES?  - “Devemos admitir previamente que ele depende, antes de tudo, da obra da GRAÇA e dos efeitos objetivos do sacramento da alma do fiel. Certamente, a Reconciliação sacramental é um dos momentos em que a liberdade pessoal e a consciência de si são chamadas a manifestar-se de modo particularmente evidente. Talvez seja por esse motivo que numa época de relativismo e de uma consciência consequentemente atenuada do próprio ser, se debilitou inclusive a prática sacramental. O exame de consciência tem um importante valor pedagógico: ele educa a considerar com seriedade a própria existência, a confrontá-la com a Verdade do Evangelho e a avaliá-la com parâmetros não apenas humanos, mas conferidos pela Revelação divina. O confronto com os Mandamentos, com as Bem-Aventuranças e, principalmente, com o Preceito do Amor, constitui a primeira grande “escola penitencial”.                                                                                No nosso tempo, caracterizado pelo barulho, pela distração e pela solidão, o diálogo do penitente com o confessor pode representar uma das poucas, se não a única ocasião para ser escutado verdadeiramente, e em profundidade. Diletos sacerdotes não deixem de reservar o espaço oportuno para o exercício do ministério da Penitência no confessionário: ser acolhido e escutado constitui inclusive um sinal humano do acolhimento e da bondade de Deus em relação aos seus filhos. Além disso, a confissão integral dos pecados educa o penitente para a humildade, o reconhecimento da sua fragilidade pessoal e, ao mesmo tempo, para a consciência da necessidade do perdão de Deus e a confiança de que a Graça divina pode transformar a sua vida. Do mesmo modo, a escuta das admoestações e dos conselhos do confessor é importante para o juízo sobre os atos, para o caminho espiritual e para a cura interior do penitente. Não podemos esquecer quantas conversões e quantas existências realmente santas começaram num confessionário! O acolhimento da penitência e a escuta das palavras ”absolvo-te dos teus pecados” representam, enfim, uma autêntica escola de amor e de esperança, que orienta para a plena confiança em Deus Amor, revelado em Jesus Cristo, para a responsabilidade e o compromisso da conversão contínua. “Caros sacerdotes, o fato de sermos nós os primeiros a experimentarmos a misericórdia divina e de sermos os seus instrumentos humildes, educa-nos para uma celebração cada vez mais fiel do Sacramento da Penitência e para uma profunda gratidão a Deus, que “nos confiou o ministério da conciliação” (I Cor 5,18) À Bem-Aventurada Virgem Maria, Mater Misericordiae e Refúgium peccatorum, conThem Crooked Vulturesfio os frutos do vosso curso sobre o Foro Interno e o ministério de todos os Confessores, enquanto vos abençoo com grande afeto.”
Discurso proferido pelo Santo Papa aos participantes no Curso promovido pela Penitenciária Apostólica, em 25/03/2011, cuja íntegra pode ser encontrada em www.vatican.va
Matéria captada por Maria Jose, Ir. Maria Aparecida.

17 maio, 2011

Experiência Pessoal de Desenvolvimento do Sagrado, Psicossíntese, um caminho para o amor, por Sandra Maria Fiore Colaiori


 “Vivendo esse século, eu não podia compreender e nem explicar racionalmente um certo impulso, um desejo profundo pela busca do sagrado que acontecia em mim, através da intuição. Uma ânsia, uma necessidade profunda e racionalmente inexplicável.
Mas era real. O sagrado, a essência divina, o sentido de unidade comigo  mesma e com o todo, aquele anseio superior que me impulsionava no sentido da busca de realização estava ali tentando encontrar o seu espaço e um caminho. Reprimido, escondido como se fosse algo menor. Aquilo que eu percebia internamente como sendo o meu melhor estava ali, escondido, desvalorizado. A batalha externa se repetia dentro de mim.  Fiz buscas em diversas religiões acreditando que alguma delas traria um Deus mais lógico, racional, mas claro, não encontrei.
Hoje, percebo que a pergunta estava errada. A pouca sabedoria a respeito do assunto não me permitia questionar da forma correta. Eu não sabia o quê e nem como questionar. Fazendo uma analogia, eu queria compreender um país olhando apenas para o mapa das ruas de uma de suas cidades, sem considerar relevo, clima, sua história, cultura, vivências sociais, leis, entre outros aspectos. Sem atender aos apelos da minha razão, também não podia fazer uma entrega pessoal, sem compreender, sem poder questionar. Então comecei a buscar, ler, perguntar, visitar. E só quando uma visão integral do ser humano se tornou mais presente, as coisas começaram a fazer algum sentido”.

Quer conhecer a integra deste trabalho desenvolvido pela Psicoterapeuta Sandra Colaiori , favor nos contatar que enviaremos por email.
Postado por Carmo Freitas, Ir Paulo

Mosteiro Nossa Senhora da Paz

Mosteiro Nossa Senhora da Paz
As Monjas do Mosteiro Nossa Senhora da Paz são herdeiras de uma grande tradição. Como os Apóstolos conviviam com o Senhor, assim as monjas vivem para ele, que as faz participar de sua vida divina!

Vida Monástica

Vivendo em comunidade o mistério da vocação cristã que as torna filhas de Deus e Irmãs em Cristo, as monjas têm um profundo relacionamento fraterno. Cada irmã tem a sua função própria e põe em comunhão seus talentos, habilidades e esperanças, a serviço de todas, na alegria de doação.
Juntas rezam, juntas trabalham, juntas estudam e se creiam. A comunidade não é apenas um meio humano para o crescimento das irmãs, mas possibilita comungar da vida de Deus, de quem ela assgura, a seu modo, a presença e a ação.

Postado por Fatima Freitas